A partir dessa disposição, o constituinte inovou o papel do Poder Judiciário na cena republicana, instituindo um conjunto de novos instrumentos, como o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão, com os quais a cidadania poderia acionar os demais Poderes para os fins de conceder eficácia aos direitos fundamentais que declarou. Ao lado disso, admitiu uma comunidade de intérpretes do texto constitucional, entre os quais partidos e representações da vida associativa, dotada da capacidade de interpelar o Supremo Tribunal Federal em nome da defesa da constitucionalidade das leis. Com essas largas intervenções, diluem-se os limites entre os Poderes e se redefine o cânon que prescrevia um estrito insulamento do Judiciário quanto à política, na medida em que ele é mobilizado constitucionalmente a dela participar. Sob impacto dessas inovações, nosso sistema jurídico, ancorado na tradição da civil law, começa a conhecer elementos de convergência com a tradição da common law, já presente, antes mesmo da vigência da Carta de 88, sobretudo desde a criação da ação civil pública, em 1985, instituto que adotamos a partir do estudo da sua experiência americana. Com as ações civis públicas, e com a jurisprudência que a ela se seguiu, que vem ampliando o seu alcance, inclusive em matéria trabalhista, as demandas por políticas públicas encontram uma arena alternativa à da representação política, levando a que o Judiciário se veja, na prática, compelido a ampliar sua competência cognitiva. E, mais importante ainda, a orientar as suas decisões sopesando suas consequências. A moderna democracia de massas brasileira atua, então, no sentido de pressionar a abertura do Direito a novos temas e na direção de novas soluções, exemplar o caso recente em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em nome das consequências, permitir a adoção de duas crianças por um casal de mulheres. No caso, contrariando o entendimento de que a união homossexual seria apenas uma sociedade de fato, venceu a tese de que, para as crianças, o que importava era a qualidade “do vínculo e do afeto no meio familiar em que serão inseridas”. As pressões por essa abertura, que vêm de várias regiões da vida social, inclusive do mundo do trabalho, põem sob tensão o princípio da integridade do Direito, que se não as admite corre o risco de perda de legitimidade. A partir dessa dialética entre integridade e abertura, o Direito se torna responsivo, tal como no exemplo acima mencionado. As tendências para a transição do Direito Autônomo – a ordem racional-legal clássica do positivismo jurídico – ao Direito Responsivo, nas novas circunstâncias da democracia brasileira, não podem ser mais ignoradas. Essa transição, tendo como objeto o caso americano, foi estudada, em fins dos anos 1970, no trabalho clássico de P. Nonet e P. Selznick, “Direito e Sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo”, somente agora, e não por acaso, publicado entre nós (Revan, Rio, 2010). Decerto que nosso caso é particular, em primeiro lugar porque pertencemos à família da civil law, em segundo, porque ainda desconhecemos o vigor das lutas pelos direitos civis e a judicialização deles, vivenciados pela sociedade americana na década decisiva de 1960, e, finalmente, porque anos de burocratismo e de submissão do Judiciário ao poder político hipotecaram boa parte dos nossos operadores do Direito ao conservantismo doutrinário. Jabuti não sobe em árvore, o tema do Direito Responsivo, ao menos in nuce, esteve presente na obra do legislador constituinte, pois foi ele quem intencionalmente incluiu o Judiciário na trama dos impasses sociais. Mas essa obra estará incompleta se não se democratiza e moderniza esse Poder, e essa é mais uma questão que não pode faltar nos debates da próxima sucessão presidencial, porque, parodiando um grande autor, o Judiciário é importante demais para ser objeto exclusivo dos seus especialistas.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras -mail: lwerneck@iuperj.br