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Férias não são a causa dos males do Judiciário

O ministro César Peluso foi eleito presidente do STF. Prometeu falar menos do que o anterior, mas, em sua primeira entrevista a um jornal paulista, foi infeliz. Tocou em assunto polêmico e disse que as férias dos juízes, que são de dois meses, deveriam ser reduzidas para um. A luta para conservá-las seria um “batalha perdida”. O tema precisa ser posto em seu devido lugar para ser bem discutido. Toda categoria profissional tem certas vantagens incorporadas a seu patrimônio. Os engenheiros podem ter uma jornada de seis horas e ganhar seis vezes o salário mínimo vigente, conforme a lei 4.950-A. Os médicos têm uma jornada mínima de duas e máxima de quatro horas, ganhando três vezes o salário mínimo conforme a lei 3.999/61. Os servidores públicos trabalham seis horas. Todas as profissões regulamentadas garantem certas vantagens aos trabalhadores em relação a salários, jornadas de trabalho e outras. A mulher tem direito ao salário maternidade. Os que trabalham em condições insalubres ou perigosas têm direito aos respectivos adicionais. O Direito brasileiro concede ao juiz dois meses de férias. A razão desta exceção se baseia numa realidade que muitos desconhecem. Sua jornada de trabalho é diferente. Na primeira instância, depois dos despachos internos, para dar andamento aos processos, faz as audiências que lhe tomam grande parte da tarde. A seguir, leva os processos para casa. Muitos são questões complexas, que envolvem a vida patrimonial e a liberdade das pessoas. Vai para o escritório e mal tem tempo de jantar e conviver com a família. Muitas vezes, é impossível cumprir as tarefas num dia e julgar todos os processos. Alguns se acumulam. E aqui começa a luta contra o tempo. O estresse aumenta. A convivência com a família torna-se rara e difícil. Muitos têm problemas psicológicos pelo trabalho cansativo e sem fim. Juízes do Trabalho fazem mais de 20 audiências por dia. Com intervalos de cinco minutos. Muitas inevitavelmente se atrasam. Os advogados reclamam e nada pode ser feito. Depois, a rotina de encher o carro de processos e levá-los para casa. Nova jornada extenuante de trabalho noturno. Novo foco de tensões. Se é juiz de segundo grau, nada muda. Julgam-se inúmeros processos nas sessões. Na impossibilidade de prepará-los individualmente, o desembargador se serve de assessores. Mas tem que rever a proposta de voto e, nos casos complicados, fazer pessoalmente, do começo ao fim, o acórdão. E o tempo para o lazer, o descanso e o convívio com a família? E o tempo para o estudo e o aperfeiçoamento cultural, em razão da mudança permanente de leis, em razão da instabilidade que o mundo pós-moderno vive? Isto tudo fica para depois, à espera de um momento futuro que nunca chega. Se está em começo de carreira, vai para interior. Cidade pequena. Problemas de alojamento, escola para filhos. Muitas varas estão abandonadas. Situações precárias, sem informatização. Vida solitária, sem convivência com pessoas do mesmo nível cultural. Falta de segurança, ameaças, pois o juiz lida com a vida, a liberdade e o patrimônio das pessoas. Quando entra de férias, emprega parte dela para tentar vencer o acúmulo involuntário e o atraso. Duvido que haja um só juiz no Brasil que, sendo consciente, goze integralmente suas férias. Mesmo que tenha conseguido depois do trabalho insano manter o serviço em dia, é preciso estudar para atualizar-se. Se viaja, tem de levar na mala livros doutrinários. Todos os trabalhadores, intelectuais ou braçais, fecham a porta de seus locais de trabalho e recomeçam no dia seguinte. O juiz, ao contrário, prossegue a jornada. Nos tribunais de terceiro grau (STJ e TST, principalmente), a situação é a mesma, se não for pior. Basta lembrar o acúmulo nestas instâncias e a demora de julgamento em razão da carga desumana de processo. Aqui se inclui o próprio STF que, mesmo se recuperando no último ano, ainda tem um déficit imenso de atraso. Todos estes fatos devem ser considerados, antes que se veja como privilégio os dois meses de férias dos juízes. Se as demais categorias têm apenas um mês, também é verdade que a execução do trabalho é diferente. O professor Joaquim Falcão, em artigo na Imprensa, cita Portugal, que reduziu as férias para 30 dias e aumentou a produção em 9%. E aponta estatística do CNJ de que, se a redução se operasse no Brasil, haveria julgamento de 2 milhões de processos a mais. As afirmativas são projeções. Esqueceu-se o lado social das formulações estatísticas e das equações numéricas, quando se trata de ciências sociais. Portugal tem o pior Judiciário da Europa. Já foi condenado 83 vezes por violação ao art. 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos que garante ao cidadão julgamento equitativo, público, por tribunal independente e num prazo razoável. A redução das férias para julgar mais 2 milhões de processos é uma teoria, a que a prática vai dar resposta contrária. Haverá mais sobrecarga do juiz, já envolvido por milhares de processos, o que poderá transformar em mal crônico a demora dos julgamentos. Querem reformar o Judiciário? Então, tenhamos a coragem de abordar pela frente o problema: reduzir instâncias, extinguindo os tribunais de terceiro grau. Reduzir drasticamente os recursos, executando-se definitivamente as sentenças de primeiro grau, que são quase todas mantidas. Aplicar multas aos perdedores e aplicar às condenações juros de mercado. Exigir depósito das condenações. Em caso de confirmação de sentença, apenas mantê-la sem redação de acórdão. Dar força aos juizados especiais que são a mais perfeita concepção de processo que se conhece hoje em Direito comparado, e algumas outras medidas que o espaço não permite aqui enumerar. Eis aí alguns exemplos de “batalha ganha” que o ministro Peluso e o Congresso Nacional podem encampar. Se quiserem reduzir férias, que o façam. Mas sem falsos motivos. Elas não são responsáveis pelos males do Judiciário brasileiro.