GUERRA AOS NÃO CONCURSADOS
Motivo de polêmica desde o advento da administração pública moderna, em 1936, a contratação de pessoas para o preenchimento de cargos de confiança enfrenta uma nova rodada de ataques técnicos e jurídicos. Ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra empresas da União e do Distrito Federal reacendem o debate em torno da autonomia dos órgãos em nomear profissionais sem concurso para funções que não necessariamente sejam estratégicas. Na letra fria da lei, a admissão só é permitida para cargos de chefia e assessoramento. A dinâmica da máquina e as composições político-partidárias, no entanto, subvertem essa premissa.
Os procuradores do MPT têm sido literais na interpretação dos incisos II e V do Artigo 37 da Constituição Federal, que estabelecem regras para o ingresso na estrutura burocrática. Segundo eles, o acesso é autorizado apenas a servidores estatutários, excluindo funcionários das empresas públicas e sociedades de economia mista cujos contratos seguem as mesmas regras do setor privado, ou seja, são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com base nesse argumento, a procuradora do trabalho Ludmila Lopes moveu sete das 11 ações civis contra instituições dos governos local e federal por contratação irregular de mão de obra sem concurso.
A decisão mais recente, em primeira instância, foi favorável ao MPT e indicou pela anulação de oito cargos comissionados na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Mesmo se houvesse uma brecha para os celetistas, as contratações teriam de ser autorizadas por lei. E se fossem autorizadas, aplicariam-se apenas a cargos de chefia e assessoramento. Sob qualquer ângulo que se observe, a contratação de celetistas sem concurso público é irregular, afirma Ludmila. A Embrapa está impedida de selecionar funcionários sem prévia aprovação em concurso sob pena de multa de R$ 10 mil por contratado. Ficam também anulados os contratos dos oito empregados denunciados pelo MPT.
Brecha sutil
Conforme consta na ação civil, após implementar um plano de demissão, a Embrapa intimou os mesmos empregados demitidos a assumirem, em 30 dias, as funções antes executadas, mas na condição de titulares de cargo em comissão. O mesmo argumento havia sido apresentado por Ludmila em ação civil movida previamente contra a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), porém na ocasião o juiz considerou procedente o argumento da defesa de que a lei prevê o direito à nomeação de comissionados para cargos celetistas.
As decisões são de primeira instância e ainda aguardam julgamento de mérito. As defesas apresentadas tanto pela Embrapa como por outros órgãos acusados pelo MPT buscam explorar uma brecha a partir da diferença sutil na nomenclatura. No texto do processo, argumentam não existir na estrutura da empresa o denominado emprego em comissão, termo que se refere a cargos regidos pela CLT, mas sim cargo em comissão, aplicados a postos regidos por estatuto.
Procurada pelo Correio, a Embrapa afirmou ter entrado com recurso e que só se pronunciará sobre o assunto após o fim do processo. Em nota, a Dataprev informou que há 47 profissionais no regime de livre contratação (art. 37, V, da CF), o que corresponde a 1,33% do contingente. A política de preenchimento de cargos de confiança prestigia os empregados concursados. Ressalte-se que o critério de seleção para todos os cargos de confiança são os de conhecimento técnico e capacidade gerencial, reforça o comunicado.
Reforma Bresser
No âmbito da União, a distribuição de pessoas contratadas para ocuparem cargos de confiança os chamados DAS, de Direção e Assessoramento Superior não segue uma regra única. Os cerca de 20 mil postos distribuídos pelo Poder Executivo são ocupados por servidores de carreira e gente sem vínculo com a administração. O governo não sabe, com certeza, qual é a proporção de titulares que se enquadram na primeira ou na segunda condição.
A reforma do Estado implementada em 1995 pelo ex-ministro da Administração Luiz Carlos Bresser-Pereira já fazia referência aos DAS. Em seu plano diretor(1), Bresser qualificou a ferramenta não como um desvio ao ingresso justo e igualitário, mas sim como um elemento positivo a dar alguma racionalidade ao sistema de remuneração e ao estabelecer um sistema de incentivo para os servidores mais competentes.