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Notícia

A quem interessa discutir pretensa “lucratividade” dos serviços prestados no setor público e, em especial, os realizados pelo Poder Judiciário?

O que realmente está por trás da crítica do partido Novo à suposta ineficiência do Judiciário?

Ao apresentar  estudo sobre a jornada de trabalho no setor público que não menciona os seguidos cortes orçamentários impostos desde a Emenda Constitucional 95/16; que não faz qualquer referência ao aumento da produtividade de seus servidores; que sequer analisa os impactos da implementação de novas tecnologias, nem leva em conta a eficiência na prestação da tutela jurisdicional, o partido Novo busca, na verdade, criar ambiente favorável à aprovação de projetos de desmonte do Estado. Também favorece a redução ainda mais drástica do seu papel social para, em última análise, transformar em produtos os serviços que hoje são disponibilizados à população.

Tal  estudo, apresentado à Câmara dos Deputados no final de 2019, se mostra, no mínimo, leviano ao desprezar inúmeros fatores que têm influenciado sobremaneira na reorganização dos processos internos e no fechamento de muitas unidades. Isso provoca impacto no dimensionamento da força de trabalho, na celeridade e na dinâmica dos procedimentos dos tribunais, além de representar significativo aumento da carga de trabalho de cada servidor (independentemente da jornada formalmente registrada), em decorrência, por exemplo, da ausência de reposição de mão de obra para preenchimento de cargos vagos, da digitalização dos feitos judiciais, da implementação do teletrabalho etc.

Importante alertar, ademais, que o referido documento apresenta dados inverídicos, que buscam induzir a opinião pública a erro, manipulando informações para fazer crer que os servidores do Judiciário teriam cem dias de folga por ano, incluindo nesse quantitativo, porém,  os finais de semana e as férias a que fazem jus todos os trabalhadores. O estudo também mente quando sugere que os servidores teriam direito a 60 dias de férias, que, na verdade, correspondem a direito exclusivo dos magistrados e membros do Ministério Público.

Como se não fosse o bastante, o levantamento ainda faz parecer que o recesso forense seria um benefício dos servidores do Judiciário, quando na verdade se trata de lei criada como proteção ao descanso dos profissionais da advocacia, correspondendo a período no qual os servidores do Judiciário seguem trabalhando, em regime de plantão, para prestar diversos tipos de trabalhos internos e de atendimento aos jurisdicionados (como no atendimento aos eleitores pela Justiça Eleitoral, por exemplo).

Impressiona que a citada pesquisa não tenha demonstrado qualquer preocupação com a qualidade da prestação do serviço público e desconsiderado, entre outros fatores, a evidente precarização das condições de trabalho dos servidores desde a Emenda Constitucional 95/16, o chamado “teto de gastos”.

“O número de unidades judiciárias no primeiro grau reduziu em 514 varas, [zonas eleitorais] e juizados especiais no ano de 2018 devido, principalmente, ao novo zoneamento na Justiça Eleitoral e à reestruturação realizada nos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul, atingindo 14.877 unidades judiciárias.”[1]

Em sua análise rasa, o estudo ignora o elemento fundamental da produtividade dos servidores do Judiciário, em conjunto com inúmeras variáveis decorrentes da modernização dos procedimentos internos e da implementação de novas tecnologias na tramitação dos procedimentos administrativos e processos judiciais, por exemplo, o teletrabalho, omitido nos cálculos do estudo, mas que não recebe qualquer controle de carga horária, impõe a contraprestação compulsória de pelo menos 30% de aumento da produtividade e ainda representa redução de custos para a administração.

Ironicamente, é justo no setor privado que se tem discutido contemporaneamente os benefícios da redução da jornada de trabalho sobre a qualidade de vida do trabalhador e sobre a produtividade das empresas. Em países como Alemanha, França, Dinamarca, Suécia e, mais recentemente, Finlândia, se concluiu ser mais benéfica para a qualidade de vida dos trabalhadores a jornada reduzida, que proporciona indiretamente diversas melhorias para as empresas e para a sociedade como um todo. Foi nesse sentido que, em agosto de 2019, a Microsoft decidiu reduzir, em suas unidades do Japão, a jornada de trabalho dos tradicionais cinco dias para quatro dias na semana, tendo alcançado um aumento de 39,9% em sua produtividade.

Ao criticar de forma isolada a diferença de duração da jornada de trabalho do Judiciário, em relação aos períodos praticados na iniciativa privada, o presidente do referido partido político, João Amoedo, tenta maliciosamente sugerir simplória e ultrapassada lógica empresarial e financista – de meramente reduzir gastos, aumentar a jornada de trabalho e maximizar os lucros – para fazer crítica tendenciosa e jogar a opinião pública contra os servidores públicos. Ele quer fazer crer que esses trabalham pouco, em troca de uma remuneração excessiva.

Cabe destacar, apesar das infundadas alegações contidas na pesquisa, que houve significativa redução dos quadros de pessoal dos tribunais como decorrência da corrida de servidores para se aposentarem, em face da recente aprovação da reforma previdenciária, não sendo possível preencher esses cargos com novos servidores em virtude das vedações contidas na EC 95/16.

Tais fatores têm sido objeto de permanente debate entre gestores dos tribunais, envolvendo técnicos de orçamento, magistrados, servidores públicos, associações e sindicatos, em busca de saídas criativas para superar os entraves orçamentários criados pela emenda do teto de gastos. Mas nada disso parece importar para a pesquisa. A mentalidade empresarial impede que se reconheça no serviço público uma finalidade diferente da que estão acostumados a perseguir incessantemente no meio empresarial: o lucro.

Notadamente, os servidores do Judiciário têm sido submetidos a cargas de trabalho cada vez maiores, independentemente do período regulamentar de trabalho, para superar a carência de pessoal, muitas vezes extrapolando as tais jornadas formais, ora divulgadas para influenciar a opinião pública e pressionar parlamentares a reduzirem ainda mais o tamanho do Estado.

O exemplo mais claro dessa distorção tendenciosa se reflete nos servidores que se encontram atualmente em teletrabalho, uma vez que eles não possuem qualquer controle sobre o número de horas trabalhadas, não sendo rara a execução de jornadas em períodos noturnos ou em finais de semana. Também estão fora desse cálculo atroz, o fato de que servidores da Justiça Eleitoral têm sido submetidos a plantões de finais de semana e feriados para realização do recadastramento biométrico obrigatório, sem a devida remuneração em pecúnia, apenas com direito a banco de horas, o que sobrecarrega ainda mais os colegas de trabalho no momento dessas compensações de horas.

É perceptível, portanto, que a pesquisa se detém, única e exclusivamente, ao número de horas trabalhadas e que se mantém alheia a uma considerável variedade de fatores que incidem na análise da eficiência dos serviços prestados, no evidente intuito de manchar a imagem dos servidores públicos do Judiciário perante a sociedade.

A linha de pensamento que o partido Novo representa corresponde, principalmente (e não por acaso), a das instituições bancárias, e está preocupada apenas com o custo da produção e da mão de obra, sem se importar com a eficiência da tutela jurisdicional, a produtividade dos órgãos do Judiciário ou a qualidade na prestação do serviço público. 

“Apesar da redução de 53 juízes no ano de 2018, houve aumento no número de processos baixados e, consequentemente, elevação da produtividade média dos magistrados em 4,2%, atingindo o maior valor da série histórica observada, com índice de 1.877. Considerando apenas os dias úteis do ano de 2018, e sem considerar existência de períodos de férias e recessos, tal valor implica na solução de aproximadamente 7,5 processos ao dia. O Índice de Produtividade dos Servidores da Área Judiciária cresceu 2,9%, o que significa uma média de quatro casos a mais baixados por servidor em relação à 2017. O aumento da produtividade ocorreu de forma coordenada, pois foi verificada em ambos os graus de jurisdição.”[2]

A crítica de Amoedo reforça ainda mais o contexto de ataques ao serviço público (Saúde, Educação, Segurança Pública) em detrimento do  atendimento e cuidado com o cidadão. E, especificamente falando do Poder Judiciário, este tem sido alvo de tentativas de “privatização” de alguns de seus serviços, valendo mencionar a crescente pressão pela terceirização da mão de obra na Justiça Eleitoral e os projetos de lei que buscam a extinção da própria Justiça do Trabalho como conhecemos, para deslocar aos chamados “juízos arbitrais” o deslinde de questões envolvendo empregados e empregadores.

Enquanto isso, só no ano de 2019, a Justiça do Trabalho recuperou para a Previdência Social mais de R$ 2,8 bilhões e R$ 466 milhões para a Receita Federal (IR), fatos também deixados de fora da pesquisa. Ao que tudo indica, a atuação dos servidores, procuradores e magistrados da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, e da Justiça Federal, seja lá em que jornada for, devem representar uma pedra no sapato dos maus empresários e dos políticos corruptos, que reiteradamente desrespeitam a legislação trabalhista, eleitoral, tributária e previdenciária vigentes.

A esses certamente interessa, e muito, o sucateamento do Poder Judiciário, a privatização de estatais e o deslocamento de serviços públicos para a esfera privada, em busca de um novo nicho de negócios. Num país tão desigual social e economicamente como o Brasil, causa espanto que se queira falar em Estado mínimo e se retirar cada vez mais o direito dos cidadãos a um serviço público de qualidade, o direito dos servidores a condições dignas de trabalho e o próprio acesso da maioria dos brasileiros à Justiça!

Diretoria do Sisejufe


[1] Dados extraídos da publicação “Judiciário em Números – 2019”, publicada no sítio oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (páginas 219/221), no endereço eletrônico: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf, em acesso do dia 13/01/2019.

[2] Dados extraídos da publicação “Judiciário em Números – 2019”, publicada no sítio oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (páginas 219/221), no endereço eletrônico: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf, em acesso do dia 13/01/2019.